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sábado, 20 de agosto de 2011

TARDE DE DOMINGO (CONTO)


TARDE DE DOMINGO (CONTO)
 Texto: Emerson Gomes

Tarde de domingo, Julião estava apenas debruçado sobre um tronco de cajueiro. Eram três horas da tarde, o céu estava nublado e já parecia quase anoitecer. Calmo, depois de um almoço farto, regado a uma boa cajuína natural, retirada daqueles belos cajus daquele cajueiro que escolhera naquele momento para apreciar a natureza, Julião pensava sobre sua existência. Talvez meio ocioso daquela comunidade pacata que morava, aquele momento era apenas seu, e servia para refletir e se permitir sonhar com mudanças para sua vida.

A conversa ainda prosseguia na cozinha, seus irmãos, sua mãe Terezinha e sua madrinha Edinete prosavam sobre o rumo da vida e relembravam os momentos felizes, as peripécias das crianças, os casamentos, as festas da padroeira na comunidade e se distraiam. As risadas chegavam até Julião que sem saber do que riam, mesmo de longe, compartilhava com uma gargalhada. Aquele momento que escolhera para pensar, também o leva a nostalgia, mas o deixava feliz, suas lembranças eram felizes. Pegando de um raio de bicicleta que usava para brincar de furar o chão, resolveu escrever na árvore uma frase. Mas antes, fez um grande círculo em volta do cajueiro e demarcou como “o espaço da felicidade”. Depois correu para o tronco e gravou uma frase que dizia:

- Aqui mora alguém muito feliz e mesmo assim já tenho saudades.

Jogou o raio fora do círculo, ajeitou sua roupa, como se preparasse para um espetáculo, pois algumas folhas de cajueiro nas mãos, fez de uma busca de côco um chapéu, de um galho seco um bengala e começou a cantar e dançar uma música que gostava muito quando sua mãe cantava para dormir. Bruscamente parou e se deitou no tronco, pressentiu algo e mesmo assim, não se deixou levar por aquela sensação. Deitado, ali, sentia o vento soprar e balançar seus cabelos ruivos lisos. Para sentir intensamente aquele vento, saiu subindo as galhadas do cajueiro até chegar à copa. Segurando em um galho, que o deixava apoiado, forçou o  seu corpo a ficar com o tronco fora da copa. E dalí, abriu os braços, fechou os olhos para sentir o vento e pareceu viajar.

Já de olhos abertos via toda a comunidade, as crianças brincando e correndo atrás dos animais, as mulheres lavando roupa na beira do lago e ao longe observou os homens que pescavam; uns de tarrafa e outros em pequenas canoas, aquela imagem parecia mais um daqueles quadros naturalistas que as mulheres compram dos camelôs para enfeitar suas salas. De repente soprou um vento forte que quase o derrubava. Com medo, resolveu descer, enquanto descia, observou um ninho de rolinha, parou e ficou ali contemplando aquela estrutura, aquele emaranhado de gravetos, penas e folhas, desceu outro galho e se deparou com um cajú vermelhinho a sua frente, um pouco distante, teve a idéia de desafiá-lo e retirá-lo. Amedrontado, prevendo uma possível queda, resolveu quebrar um pequeno galho e jogou, acertou de primeira, o cajú caiu no círculo que o batizou de “o espaço da felicidade”. Desceu na carreira, apanhou o cajú, limpou-o no seu calção e pós no bolso. Com aquele cajú, presentearia sua madrinha Edinete. Um pouco cansado, deitou novamente no tronco e passou a observar aquela árvore tão robusta, verdinha e com muitos cajus amarelos e vermelhos dependurados.

Em meio as suas contemplações começou a observar o fluxo dos pássaros naquela árvore.  Aquilo o deixou calmo e muito sonolento. Já quase adormecendo percebeu que era observado por um animal, que até o  momento não lhe metia medo, e sem mais nem menos, certificou que naquele momento já parecia um conflito, um observando o outro. Parado, mexendo apenas os olhos, Julião não acreditava no que via e percebeu que aquele animal que o observava induzia uma comunicação, seus olhos diziam algo. Pensativo se aquilo era mesmo verdade tentou distrair o animal, tangendo. Sem êxito, amedrontou-se, aquele animal que carregava uma expressividade nunca antes vista imbuída de uma áurea ofuscante, adentrava “o círculo da felicidade” e aproximava querendo algo. Temido por uma situação possivelmente conflitante, seguiu bruscamente para uma galhada acima.

Meio envergonhado por ter causado tal constrangimento, o animal se retirou, pensativo sobre o medo que provocara em Julião. E refletiu sobre o distanciamento que o homem promovia sobe os demais animais. Dando as costas e saindo desconcertado, cabisbaixo e muito triste, fez com que Julião não entendesse o seu comportamento.

Sem entender a reação do animal, Julião, curioso em querer saber sobre aquela atitude tão racional daquele bicho, mesmo com medo, balançou as galhadas do cajueiro, queria chamar a atenção daquele animal que saia devagar, triste e cabisbaixo. Com o balançar dos galhos aquele animal tímido intensificava seu pensamento a respeito de Julião e caminhava rápido, agora com medo, talvez pudesse ser rechaçado, agredido, discriminado e seguia rumo ao seu destino.

Julião sem conseguir chamar a atenção do animal, desceu aceleradamente daquela árvore e gritou... Chamou-o descontroladamente e já era tarde demais. O animal tinha fugido amedrontado, com a certeza de nunca mais voltar. E Julião ficou ali, inerte, apenas piscando os olhos, pensativo... Imaginando o que pudera ter acontecido. Nesse instante sua madrinha Edinete gritou, chamando-o para lhe presentear e no impulso da felicidade correu a caminho de sua casa.



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